texto para HE diversos temas a ser abordados

Sem culpar o outro
É possível acabar com o jogo de empurra entre a família e a escola sobre a incumbência pela formação de crianças e adolescentes. Entenda como
Amanda Polato . Revista Nova Escola. Setembro 2009.
Pais esperam ações dos professores e esses dizem não caber a eles tais tarefas. Professores, por sua vez, depositam nos pais expectativas que eles não têm condições - ou não sabem como - cumprir. No meio disso, estão os alunos, que, diante do fracasso escolar, transferem o ônus ao professor. Esse jogo de empurra gera uma série de equívocos e mitos sobre o relacionamento entre a família e a escola, prejudicando o estudante, que deveria ser a prioridade de todos.

"Vários fatores influenciam o aproveitamento do aluno. Se a escola e a família buscam ações coordenadas, os problemas são enfrentados e resolvidos", afirma a psicóloga Ana Costa Polonia, docente da Universidade de Brasília (UnB).

Para dar início ao diálogo produtivo, ideias prontas devem ser desconstruídas. É essencial que os professores entendam o público para o qual prestam serviço (como está organizada a família contemporânea? Qual o papel dela na Educação?). Por outro lado, a família deve compreender a missão e as propostas da escola e conhecer formas de contribuir com ela. Leia a seguir sobre os cinco principais mitos que envolvem essa relação, sua origem e o caminho para superá-los.

1. Famílias desestruturadas são um problema para a escola

André é filho de Marta e Geraldo, que se separaram e casaram com novos parceiros. Marta se uniu a um homem com duas filhas (que moram com a mãe delas). E Geraldo, com uma mulher que tem um filho do casamento anterior, que passa a viver com o novo casal. André mora com a mãe e visita o pai três vezes por semana, sendo que, em uma delas, fica na casa da avó paterna, junto com os primos. Esse é só um dos possíveis arranjos familiares contemporâneos - e que ocorre em qualquer classe social.

A dinâmica familiar mudou muito, abrindo mais espaço para a expressão pessoal e para a autonomia de cada membro. É o que constata Clarice Ehlers Peixoto, antropóloga do Grupo de Estudos sobre a Família Contemporânea da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). "O amor é o regulador das uniões, que podem ter diversas denominações: união livre, união homossexual, família monoparental (mãe e filhos, pai e filhos e, recentemente, avós e netos)", explica.

É um engano pensar que isso é novidade no Brasil: desde a colonização, há filhos fora do matrimônio, uniões esporádicas e concubinatos. A diferença é que hoje muito disso é legitimado social e juridicamente. "Não há um modelo único, e sim uma pluralidade de experiências de família", conta Myriam Lins de Barros, antropóloga da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Por isso, não faz sentido falar em "desestruturação", muito menos associar a ideia às classes mais populares. "O termo parte da lógica do modelo pai-mãe-filhos. Mas outras possibilidades não levam, necessariamente, à desorganização", diz a antropóloga.

O sociólogo francês François de Singly afirma no livro Sociologia da Família Contemporânea que diversas configurações familiares são fontes de estigmatização. Às vezes, no discurso de psicólogos, professores e assistentes sociais, a desagregação é a resposta rápida para problemas sociais e psicológicos da criança. Só que não existe nenhuma comprovação disso. Um divórcio pode abalar a vida de um garoto, mas isso não é uma regra.

Outra relação recorrente é entre "desestruturação" e o pouco envolvimento familiar nas questões escolares. Rosa Maria da Exaltação Coutrim, professora de Educação da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), pesquisou o desempenho de alunos criados pelos avós e não detectou nenhum prejuízo. "Os avós que assumem os cuidados costumam comparecer mais à escola e incentivam os estudos dos netos, mesmo quando têm pouca escolaridade", relata Rosa.

2. A família é responsável pelo aprendizado escolar dos filhos
Para a maioria dos professores, o ambiente familiar é preponderante na Educação de crianças e jovens. O resultado aparece na pesquisa Qualidade da Educação, da Fundação SM e da Organização dos Estados Ibero-Americanos, de 2008, que ouviu quase 9 mil docentes. A escola tem uma influência menor.

Os entrevistados têm razão? Em parte. Família e escola compartilham a responsabilidade de educar, mas com objetivos, conteúdos e métodos diferentes. O tipo de aprendizagem acaba definindo o foco de ação de cada uma das partes.

"A escola é responsável pelo núcleo formal do ensino da leitura, da escrita e da Matemática e suas regras e seus parâmetros científicos, entre outros conteúdos", aponta Ana Costa Polonia, da UnB. Isso não quer dizer que a criança não possa ter contato com a Matemática em casa - tal ação pode contribuir com o ensino formal. Na cozinha, ela aprende a identificar quantos ovos e xícaras de leite e açúcar vão em uma receita de bolo. Na sala de aula, a mesma receita será escrita com símbolos matemáticos.

Até o século 19, o ensino ficava a cargo da família ou de pequenos grupos, cada um de seu jeito. Depois, a escola assumiu o papel de formalizar os conhecimentos, ampliá-los, sistematizá-los e torná-los comuns a todos. "Boa parte da Educação oferecida pela família foi deslegitimizada", conta Ana Maria Almeida, docente da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e cocoordenadora do Focus, grupo de pesquisa sobre a instituição escolar e as organizações familiares.

Agora a situação é diferente. A família, antes afastada, está sendo convocada a participar. A mudança veio com as teorias pedagógicas centradas nos alunos, que passaram a levar em consideração o que ocorre com a criança fora do contexto escolar. "É uma novidade histórica: os professores não concebem mais sua atuação desvinculada da família", comenta Maria Alice Nogueira, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

É preciso conhecer os pais, onde e como vivem e identificar os saberes que vêm de casa, mas a escola não pode abdicar do seu papel: o trabalho formal e sistemático com o conhecimento. "Pais não são professores. O conteúdo escolar é uma tarefa docente", enfatiza Ana Polonia.

3. Os pais nunca estão presentes em atividades da escola

Se a escola e a família são os principais responsáveis pela Educação, era de esperar uma parceria azeitada. O que se vê, no entanto, é uma relação tensa. Uma das grandes queixas é a falta de envolvimento dos pais na vida escolar.

Há diferenças muito grandes entre as escolas do país: em algumas, essa participação é grande (principalmente nas cidades pequenas) e, em outras, baixíssima. De forma geral, entretanto, a Educação é muito valorizada pelos pais de todas as classes sociais. De acordo com a socióloga Maria Alice, da UFMG, o diploma ganhou muita importância na vida das pessoas - é a definição da posição social futura. "As famílias respondem bem ao chamado da escola e até se antecipam a ele porque consideram o estudo dos filhos muito importante para ficar só nas mãos dele", defende a pesquisadora.

Mais do que interesse, os pais têm obrigações. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina que cabe à garotada estudar e à família cuidar para que a frequência às aulas seja cumprida, sob risco de punição. O Ministério da Educação (MEC) lançou, em 2008, um manual para incentivar a participação familiar. Recentemente, pais que recebem o Bolsa Família passaram a ter presença obrigatória em reuniões escolares.

Por que, então, a sensação é a de que os pais estão ausentes? Existem problemas, principalmente, de comunicação. Não dá para esperar um grande comparecimento em uma reunião marcada, por exemplo, numa quarta-feira às 15 horas. É horário de trabalho e nem todo mundo consegue negociar saídas e folgas.

Também há divergências de opiniões e interesses. "O professor sempre fala em parceria, mas não costuma receber bem a opinião do pai ‘leigo’", conta Maria Alice. "Já os pais estão pouco dispostos a acatar recomendações (ou ingerências?) sobre como vivem e cuidam dos filhos."

Em busca de aproximação, vale perguntar aos responsáveis: o que impede ou atrapalha a participação na vida escolar? Que estratégias usam diante das dificuldades dos filhos? Com base nisso, a escola pode ajudar, adequando os horários de atendimento aos pais ou promovendo discussões sobre o trabalho pedagógico.

4. O tema principal da reunião de pais deve ser o comportamento
Os professores querem a participação dos pais para melhorar o desempenho dos alunos, mas nas reuniões o que menos se fala é em aprendizagem. Pesquisa do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial e da Fundação Victor Civita (FVC), feita em 2008 com 840 educadores, mostra que o tema campeão dos encontros é o comportamento em sala de aula.

Em tese de doutorado defendida na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Luiza Maria Braga Silveira identificou que, muitas vezes, professores fazem reuniões só para reclamar e cobrar atitudes dos pais. "Não perguntam como é o estudo em casa ou o que funciona." Segundo a pesquisadora, a escola se coloca, nesses casos, como se estivesse num nível superior e detivesse todos os conhecimentos sobre a criança. Não raro, questões da esfera educacional são ultrapassadas. "Chegam a questionar a vida conjugal dos pais e a carga horária de trabalho da mãe", diz.

As reuniões deveriam ser momentos de explicar o planejamento pedagógico, as ações já realizadas e a evolução do aprendizado da garotada. Não basta mostrar as notas. Os pais precisam entender o que os filhos sabem e o que não sabem. "Se os responsáveis não conhecem estratégias de ensino ou conteúdos atuais, o professor pode criar uma situação para que compreendam o tipo de proposta. Uma atividade de cálculo mental, por exemplo, pode ser feita na reunião da mesma forma como é conduzida em sala", afirma Priscila Monteiro, formadora do projeto Matemática É D+.

O comportamento dos estudantes não está ligado diretamente ao aprendizado, mas é visto como obstáculo ao ensino. A socialização primária (cumprimentar e esperar alguém terminar de falar para se manifestar, entre outros) é, sim, uma das tarefas educativas da família. Mas a socialização também é um conteúdo escolar, especialmente na Educação Infantil e em séries iniciais do Ensino Fundamental.

Para contornar problemas de comportamento, família e escola acabam seguindo caminhos distintos, por vezes equivocados, de acordo com Luiza Silveira, da PUC-RS. Se os pais usam estratégias ambíguas, por exemplo, os professores apelam para métodos autoritários e querem que a família os reproduza. É preciso estabelecer práticas comuns - o que pode ser articulado num encontro entre coordenação pedagógica, docentes e familiares, fora da reunião de pais.

5. A escola do meu filho oferece um ensino de boa qualidade

O resultado de uma recente pesquisa do MEC sobre como os pais veem a escola pública surpreendeu muita gente. O levantamento mostrou que eles estão satisfeitos com a qualidade do ensino.

Foi uma novidade para quem lida com os dados das grandes avaliações feitas com os alunos. O país vem melhorando, mas está longe do ideal. Os estudantes brasileiros estão entre os de pior desempenho no Pisa (sigla em inglês para o Programa Internacional de Avaliação Comparada), que mede a proficiência em leitura, Matemática e Ciências em 57 países.

O resultado não surpreendeu quem conhece de perto a realidade das famílias. "As camadas mais populares, que são a maioria com filhos na escola pública, têm menos condições (ou acham que têm) de avaliar e questionar o trabalho pedagógico. Falta informação sobre o universo escolar", explica Maria Alice, da UFMG.

A professora Zaia Brandão, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), levanta outra hipótese: a de que os pais avaliem o sistema em relação ao passado, em que faltavam escolas, merenda e material didático e as políticas de assistência não existiam. "As mudanças nas últimas décadas significaram melhorias importantes nas condições de acesso e permanência na escola."

Contudo, no estudo do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial e da FVC, os pais mostram que têm clareza sobre o principal atributo de uma boa escola: que tenha professores que saibam ensinar. O reconhecimento sobre a importância dos docentes é um ótimo ponto de partida para firmar uma parceria em que todos vão sair ganhando. Especialmente os alunos.
O segredo do sucesso (trecho extraído da revista nova escola – De portas abertas para a sociedade.agosto 2008)
No estudo Redes de Aprendizagem, realizado em março deste ano com 37 municípios brasileiros, o Unicef detectou dez fatores que influenciam no sucesso escolar. "São resultados óbvios, mas que não funcionam isoladamente", conta a coordenadora da entidade no Brasil, Maria Salete Silva. A maioria deles pressupõe justamente um diálogo próximo com a comunidade. "A cidade valoriza o ensino, está preocupada com o que a escola faz", explica a coordenadora da pesquisa, Mônica Samia.

A importância dos pais na aprendizagem dos filhos é tão grande que o nível socioeconômico e cultural da família aparece entre os três fatores que determinam o bom desempenho escolar no relatório Los Aprendizajes de los Estudiantes de América Latina y el Caribe: Primer Reporte de los Resultados del Segundo Estudio Regional Comparativo y Explicativo, publicado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). "Quando auxilio na tarefa de casa, modifico a forma como minha filha responde às demandas da escola", exemplifica a coordenadora da Área Programática em Ciências Humanas e Sociais e Projetos Transdisciplinares da Unesco, Marlova Jovchelovitch Noleto. "Esse estímulo contribui para que a performance dela melhore."

Famílias de baixa renda, no entanto, tendem a se distanciar do processo educativo por achar que não podem colaborar. "Devemos motivá-las a perguntar sobre as atividades feitas durante o dia, a olhar o caderno, a ler junto, a ajudar na tomada de decisões", sugere Macaé Evaristo, a secretária adjunta de Educação de Belo Horizonte.

Quando as famílias se interessam, os alunos também se interessam. Se um pai sabe fazer pipa, contar histórias ou tocar um instrumento, só tem a ganhar sugerindo uma oficina ao diretor. "Crianças acolhidas, felizes e seguras aprendem mais", garante Vanda Noventa.

Os alunos da EM Prof. Odilon Santiago, em Divinópolis, a 121 quilômetros de Belo Horizonte, contam com a habilidade das mães (e com o material que têm em casa) para confeccionar os figurinos das peças teatrais sobre os livros trabalhados em aula. As famílias também ajudam a decorar as falas e prestigiam os espetáculos mensais. Ao fim de cada apresentação, o público infantil recebe a missão de recontar a história encenada, inventar um final diferente, ilustrar ou estudar o autor. Todas as produções vão para o mural. Enquanto os alunos assistem às aulas de reforço diferenciadas e dinâmicas para dar conta de reverter a defasagem na aprendizagem, as mães se distraem em oficinas de arte, usando pincéis, tintas, linhas, agulhas e tecidos fornecidos pela escola. Nas festas, o corpo docente articula parcerias com profissionais voluntários da área da saúde, que medem a pressão e a glicose dos pais e dão palestras sobre câncer e dicas de primeiros socorros.
Nessa troca de vivências, o professor aprende a respeitar seus limites, reconhecendo que os saberes da família têm valor e a repetência e a evasão escolar diminuem. Ao fim do processo, ele avalia as crianças, mas também é avaliado pelos pais.

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